22 de junho de 2010

Fúria Lupina Brasil - Degustação 6


Nota: este é um capítulo de degustação do livro "Fúria Lupina - Brasil" (2010). Para ler outros capítulos, CLIQUE AQUI.


Um Diálogo Inquietante


Pantanal mato-grossense. É aqui que o garoto José Dante se sente em casa. Sempre que possível, ele foge para este refúgio sagrado, que fica a aproximadamente uma hora de caminhada da sua casa. Em meio aos charcos, florestas e campos, sente uma paz infinita. A explosão de vida que presencia aqui é indescritível, uma sensação inebriante de fazer parte de um ambiente tão rico, tão vasto, tão desafiador, onde se sente reconfortado, e não junto às pessoas com as quais é obrigado a conviver.
Quando está na cidade, sua vida é um tormento. Desprezado pelo pai, odiado pela madrasta, evitado pela avó e simplesmente ignorado pelas irmãs. Na escola, sempre que há uma chance, é humilhado pelos colegas, que caçoam de seu corpo franzino, suas orelhas grandes, suas sobrancelhas unidas. Costuma ser vítima dos piores tipos de brincadeiras de mau gosto.
Assim, aos dez anos de idade, Dante é uma criança arredia e introvertida. A única pessoa com a qual tem afinidade é a sua madrinha, que infelizmente se mudou para Cuiabá, após a morte de seu padrinho, por causa da malária.
Ao contrário do que pode parecer, ele não é uma pessoa triste. Aprendeu a se contentar com o que tem, e a única alegria que tem na vida é invejada por muitos: o convívio pleno com a natureza. Ele não tem medo de jacaré, cobra, insetos, tempestades, inundações, apenas os respeita. Neste exato momento, está passeando por uma mata densa, úmida, o verde preenchendo toda a sua visão, o solo argiloso cedendo levemente sob seus pés.
Ao notar uma movimentação na vegetação logo à frente, para sua marcha. Com o coração batendo forte, mais de excitação do que de temor, tenta adivinhar com qual bicho vai se deparar: cervo, capivara, cachorro-do-mato, tamanduá, quati, talvez até uma onça-pintada.
Mas, para seu assombro, é uma pequena mulher quem surge no seu campo de visão, com aproximadamente um metro e meio de altura, cabelos compridos de um vermelho vivo, bastante enrolados. Ela usa um vestido esfarrapado e apresenta um defeito nas pernas, que faz com que estas fiquem arqueadas, e dificultem seu caminhar. Dante arregala os olhos ao notar que os pés da mulherzinha sardenta são virados para trás, torcidos de uma forma estranha.
– E então, garoto-bicho de Poconé, porque tu te demoras tanto em vislumbrar a minha pessoa?
– Você me conhece? Por que me chamou de bicho? O que faz aqui no mato? – foi a frase mais longa que o garoto pronunciou nos últimos meses.
– Não surge um da tua espécie em meus domínios sem que eu tenha conhecimento. Chamo-te de bicho porque és da raça dos guará, e isso define muito o teu jeito solitário. Tu tens essa carinha de bobo, mas concentras grande poder dentro do teu corpo mirrado, esperando apenas a hora certa de se manifestar.
– Tá fazendo chacota de mim?
– Não sou disso! – exclamou a pequena mulher, de idade indefinida, em tom altivo – E ouve bem o que digo, pois poucos têm esse privilégio: em sete cemitérios, de sete cidades diferentes, acontecerão os fatos mais marcantes da tua vida, e percorrendo-os encontrarás teu destino.
– Não tô entendendo...
– Guarda minhas palavras, e elas farão sentido no momento oportuno! – ela começa a se embrenhar na mata novamente, e é uma voz distante e abafada que prossegue – Ninguém consegue me seguir, e mesmo tu não conseguirás. Nunca mais me verás, mas eu sempre acompanharei teus passos.
Naquela noite, o garoto não conseguiu dormir. Inquieto, mantinha na memória o encontro com uma pessoa que ele não sabe quem é, nem o que suas palavras queriam dizer. O que o incomoda é que ele sente que isso terá muita importância na sua vida.

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